"Houve uma civilização saída do castelo, isto é, do domínio, logo nascida dos quadros rurais. Esta civilização dá origem à vida cortês, cujo próprio nome lhe indica a proveniência, porque ela nasceu de court, o pátio, isto é, da parte do castelo onde toda a gente se encontra.
O castelo feudal é orgão de defesa, lugar vital do domínio, asilo natural de toda a polpulação rural em caso de ataque, centro cultural, rico de tradições originais, separado de toda a influência antiga. É muito significativo que a esta cultura tenham sido ligados os termos cortês, cortesia; eles emanam de duma civilização que nada deve á cidade e evocam o que se propõe então como ideal em toda uma sociedade: um código de honra e uma espécie de ritual social que são os da cavalaria (...)."
Régine Pernoud, O Mito da Idade Média, Publicações Europa América
Iluminura que ilustra o modo de vida feudal: ao longe vesse o castelo fortificado do senhor feudal e da sua família; no plano intemédio e principal, as terras que circundam o castelo e os servos que nelas trabalham
O contexto político-social da Arte Medieval
- A Arte Medieval insere-se no período da História que normalmente chamamos Idade Média (sécs. V e XV da Era Cristã; começa com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e termina com a tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos, em 1453), nascida do rescaldo das invasões germânicas e da desagregação das estruturas clássicas, sobretudo romanas;
- As guerras entre o mundo Romano e o Bárbaro-germano (sécs. V e VI) trouxeram grandes e importantes alterações estruturais: enfraqueceram a economia mercantil que, devido ás guerras e pilhagens constantes, se foi degradando e deu origem a uma economia de cariz agrário e auto-suficiente, isto é, subsistência da população por meio de trabalhos agrícolas; provocaram o declínio e redução dos centros urbanos, pois eram os maiores alvos dos ataques dos exércitos pela importância político-económica que possuíam e por isso a maior parte da população fugiu da cidade para o campo, transformando-se numa sociedade rural; desorganizaram a administração pública, fazendo desaparecer as antigas instituições herdadas do Império Romano e enfraquecendo os poderes centrais agora desprovidos de aparelho de Estado e exército permanente. Assim o poder político foi-se propagando em múltiplos poderes locais, arbitrários e em constante agitação; causaram uma profunda depressão demográfica, que se justifica pelo declínio da vida económica e material das populações, pelas guerras e ainda pelo clima de medo, insegurança e instabilidade que estas criaram; e provocaram ainda uma depressão cultural, pois durante as invasões e guerras, muitas cidades foram quase que completamente destruídas, perdendo-se, entre outras coisas, as suas escolas e bibliotecas e porque, devido à instabilidade e à insegurança, as viagens tornaram-se cada vez mais perigosas - assim isolados nas suas propriedades, no campo, as crianças e jovens deixaram de ir à escola e os hábitos de estudo e leitura foram abandonados. Deste modo a população retornou ao analfabetismo e a uma cultura popular, não escolarizada e não escrita, onde predominou a tradição oral;
- Todas estas alterações agravaram-se nos séculos seguintes, devido a novas invasões (muçulmanas, normandas, esclavas e magiares), à precariedade das subsistências, ao crescente barbarismo dos costumes, ao acentuar da ruralização da vida económico-cultural e à permanente instabilidade e insegurança;
- Estes factos explicam a instalação do feudalismo, a partir do séc. X, que acompanhou a formação de uma sociedade simultaneamente guerreira e rural, rude e cavaleiresca e se caracteriza pelo poder descentralizado (entregue ás mãos do senhor feudal), pela economia com base na agricultura e pela utilização do trabalho dos servos - os reis atribuíam terras aos senhores feudais e estes "contratavam" servos que tratavam delas, cultivando alimentos que serviam para a subsistência deles mesmos e dos seus senhores. Os servos pagavam ainda vários impostos aos senhores feudais pela sua habitação dentro das terras e pela protecção militar. Deste modo formou-se uma sociedade hierarquizada em que o Clero ocupava a posição máxima, seguido da Nobreza (os senhores feudais) e do povo, os servos;
- Neste pulverizado mundo feudal, violento, arcaico e rural, apenas uma única força se manteve em crescimento: o Cristianismo, cuja fé, levada em onda avassaladora das conversões em massa, representou um papel na formação e consolidação do feudalismo e foi um elemento aglutinador e ordenador de uma Europa dividida e decadente; inicialmente perseguida e clandestina, a religião cristã conheceu uma grande expansão durante os sécs. II e III, oficializando-se e transformando-se na religião única e oficial do Estado Romano (Concílio de Constantinopla de 381);
- Comparados aos juízes e magistrados romanos, os bispos do Baixo Império aproveitaram as estruturas administrativas centrais e locais, em decadência, e usaram o poder dessas instituições para congregarem e organizarem as comunidades de fiéis. Após a queda do Império Romano do Ocidente, foram os bispos, nas suas dioceses decalcadas pelas antigas circunscrições administrativas romanas, as únicas autoridades presentes e actuantes junto da população, neste tempo de crise;
- A acção da Igreja Cristã, durante toda a Alta Idade Média (sécs. V a IX), ultrapassou as obrigações religiosas, pastorais e doutrinais, exercendo em simultâneo um importante papel civilizacional, ao nível das técnicas agrícolas, da suavização dos costumes e da conservação e desenvolvimento das artes e das letras, tendo como principais focos difusores as igrejas e os mosteiros. Deste modo explica-se como a cultura medieval adquiriu um carácter religioso e doutrinal e como a arte foi influenciada por esse carácter, servindo como meio de difundir a própria religião e a sua doutrina;
- A partir do Ano Mil houve um conjunto de factores que contribuíram para a inversão do quadro depressivo e para o fim da crise que atormentava a Europa desde o séc. V. No séc. XI, as invasões cessaram e internamente, ocorreu um abrandamento das guerras privadas, de carácter feudal. O fim das guerras e o consequente regresso à paz permitiram um ambiente social de maior estabilidade e segurança, favorável ao desenvolvimento das técnicas e utensilagens usadas na agricultura e registou-se um desenvolvimento económico que permitiu o reaparecimento da agricultura excedentária, o acelerar do crescimento demográfico, o renascer do comércio e a renovação cultural, bastante impulsionada por Carlos Magno, que se empenhou em fazer renascer as letras e as artes, criando na sua corte uma escola (a Aula Palatina), para a qual atraiu sábios de nomeada; fomentou o interesse pelos autores clássicos, gregos e principalmente romanos; e fundou ainda uma extrema biblioteca, espécie de fundo cultural permanente para a formação dos estudantes;
- Este clima de renovação e expansão foi aproveitado pela Igreja para uma reestruturação teológico-doutrinal, que acabasse com as heresias da Alta Idade Média e reforçasse o seu sentido pastoral junto dos fiéis : lançou o movimento da Trégua e da Paz de Deus (pretendia pôr cobro às guerras e violências praticadas pela aristocracia senhorial e feudal, protegendo os populares); construiu ou reconstruiu igrejas; incentivou as peregrinações aos lugares santos e organizou as cruzadas (expedições religioso-militares destinadas a libertar os lugares sagrados da Terra Santa do jugo do Islamismo; os seus participantes foram apelidados de "cruzados" pois usavam a cruz como distintivo);
- Muito importantes neste período foram os mosteiros, ligados ao fervor religioso da época e ao desejo de isolamento e de evasão do mundo profano, para uma entrega mais directa a Deus, através da meditação e da contemplação. Os primeiros impulsos foram dados individualmente; mas muito cedo os exemplos isolados criaram à sua volta grupos de discípulos, dispostos a seguir o exemplo do mestre - surgiram assim as primeiras comunidades de monges e monjas. A primeira obrigação destes é a do ofício divino (culto religioso) ao qual "nada se deve antepor", mas possuíam também outros deveres onde a oração estava a par do trabalho no scriptorium, nas variadíssimas oficinas, nos campos, entre outros;
- Os mosteiros foram centros de oração, meditação e ascese, mas também muito mais do que isso. Beneficiados pelas condições económicas, políticas e culturais da época que para eles canalizaram grandes riquezas, os mosteiros puderam transformar-se em centros dinamizadores da economia (difusores de novas técnicas e práticas agrícolas, incentivadores do artesanato e do comércio, etc.), em avançados centros de produção cultural teológica, nas letras e nas ciências e em escolas de nomeada, exercendo, assim um importante papel civilizacional na Idade Média.
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